Se já acompanha o nosso trabalho há algum tempo, saberá que, na Ajuda em Ação, uma das nossas duas grandes causas enquanto ONG é a defesa e proteção dos direitos das crianças. Uma batalha que continuamos a combater em muitos países da África subsariana, América Latina e Sudeste asiático, e que esconde no seu interior o horrível fenómeno do casamento infantil, com 15 milhões de meninas por ano a casarem-se contra a sua vontade.
São várias as causas que podem estar relacionadas com o casamento infantil, no entanto, as principais são: a pobreza, onde os casamentos representam menos uma boca para alimentar, a guerra e as carências educacionais em conjunto com as tradições antigas presentes no território. Mas, onde predomina o casamento infantil? E é algo circunscrito aos países em vias de desenvolvimento?
Dar visibilidade ao casamento infantil
Moçambique, Uganda, Etiópia… São países de África onde a Ajuda em Ação promoveu o direito à educação e a luta contra a discriminação de mulheres e raparigas como forma de combater o casamento infantil. Mas o casamento infantil não é uma realidade circunscrita apenas aos países em desenvolvimento. A ativista americana Sherry Johnson explicava, em 2017, como milhares e milhares de menores são obrigadas a casarem-se em estados como Texas, Florida, Kentucky, Tennessee ou Alabama, nos EUA. Em Portugal, este fenómeno também está presente, uma vez que a idade legal para casar é a partir dos 16 anos (com autorização parental). Esta é uma realidade que continua a crescer em toda a Europa e criou uma certa controvérsia em comunidades como a cigana, registando 0,03% de casamentos de pessoas entre os 16 e 18 anos.
De qualquer forma, estes valores apenas pretendem consciencializar para o facto de este ser um problema global e não apenas limitado aos países em desenvolvimento – em particular, aos mais pobres da África negra e do Sudeste asiático. Não obstante, o grosso dos casamentos infantis é um problema em mais de uma vintena de países onde as mulheres são obrigadas a casarem-se antes dos 18 anos, algo que vem sempre acompanhado da privação de liberdade individual, abandono escolar, confinamento em casa e dependência de um homem adulto, na grande maioria dos casos. Aos aspetos referidos anteriormente, não é de estranhar que se juntem outros perigos e graves consequências, como danos físicos e psicológicos, relacionamentos forçados, realização de tarefas obrigadas e próprias para adultos e outros riscos para a saúde, como doenças sexualmente transmissíveis e gravidezes precoces.
Casamento infantil: um problema mundial
As raparigas das regiões mais pobres têm até 300% mais probabilidades de casarem antes da maioridade. A situação é praticamente a mesma nas zonas rurais e urbanas, onde as probabilidades se duplicam.
Níger (76%), República Centro Africana (68%), Chade (68%), Mali (55%), Burkina Faso (52%), Guiné (52%), Sudão do Sul (52%) e Moçambique (48%) estão na lista dos dez países com maior taxa de casamentos infantis do mundo e, como pode ver, os valores são arrepiantes. O mesmo ocorre no Bangladesh (52%) e na Índia (47%). Se nascesse em qualquer um destes países, teria, pelo menos, cinquenta por cento de probabilidade de casar-se antes dos dezoito anos segundo a BBC/UNICEF.
Segundo as Nações Unidas, o casamento infantil viola os direitos fundamentais das crianças e é uma prática muito mais comum nas raparigas do que nos rapazes. Além do mais, treze milhões dos menores casados (raparigas, principalmente) contra a sua vontade vivem em África e esta tendência ameaça duplicar-se em 2020. Mas os dados tornam-se ainda mais preocupantes se olharmos para outros problemas derivados do casamento infantil.
- No Mali, o “Código Familiar de 2011” obriga a mulher a obedecer ao marido.
- Apenas 18 em cada 100 mulheres utilizam métodos contracetivos no Senegal.
- No Níger, a idade média do casamento não chega aos 16 anos.
Infelizmente, não se trata de um problema menos significativo fora do continente africano: o Sudeste asiático enfrenta um problema semelhante por causa da tradição em países como o Bangladesh, o Paquistão e a Indonésia.
No caso do Bangladesh (52% de casamentos infantis atualmente), as mulheres que residem no país casaram-se ainda crianças em 73% dos casos, o que demonstra uma fortíssima tradição de casamentos infantis no país. O mesmo acontece no Paquistão e na Indonésia (34% e 38%, respetivamente) e mostra o lado mais terrível de uma questão cultural que priva os seus homens e mulheres da liberdade e que dificulta o rompimento desse ciclo de pobreza e do vínculo cultural.
Ainda que possa parecer que fora destas duas regiões – no Sudeste asiático, este problema também se estende ao Afeganistão e ao Cazaquistão – os casamentos forçados não são um problema tão extenso e grave, os números das Nações Unidas são arrepiantes em muitos outros pontos do planeta. A América Latina e o Caribe contam com 29% de casamentos infantis e, na prática, países como a Arábia Saudita (10 anos) e o Iémen (sem legislação) não possuem idade mínima para casar.
O casamento infantil é um grave problema que envolve tradição, educação e nível sociocultural, entre outros fatores, contra o qual precisamos de trabalhar para garantir uma infância feliz e livre aos menores e um futuro mais justo para todos.